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Pequi – o ouro na terra do cristal


By Geraldo M. Pereira | janeiro 15, 2016 | Category Botânica, Insetos, Opinião

“A maioria não se aproveita, o pequi que vai para o consumidor final não chega a 50% do que poderia ser colhido em Curvelo.”
Marco André Malaquias, gestor do Circuito Turístico Guimarães Rosa, em entrevista para o jornal Hoje em Dia.

O pequi é parte natural da vida do homem no cerrado. Assim como o sol vai arder com mais energia no verão o pequi vai florir tão logo as primeiras chuvas. Em meados de dezembro basta ir a campo que os frutos se oferecem. Cada fruto é único, a polpa vai de um amarelo claro quase branco ao dourado, vivo, encarnado, ora com uma semente, ora duas, três, quatro e até cinco! Há quem diz não gostar, achar o seu sabor rude e se receia dos espinhos, mas o respeita, respeita a árvore, a sua bravura diante a aparente monocromia do cerrado. O pequizeiro é valente, tolera a tempestade mais sombria e o fogo mais ardil. Não se enverga, e mesmo que venha a esturricar conserva em seu âmago o vigor da existência. Mantém-se diante a maior intempérie da terra: o ser humano!

Não madura os frutos como estamos acostumados, deleitando-nos o olhar: não se enfeita como as jabuticabeiras em azeviche esplendoroso, tampouco se adorna tal as bananeiras que alouram os cachos vigorosos. Sabemos que está pronto quando os deita no saibro. Não adianta colher diretamente no pé: mesmo que amadureça não ficará bom, tornando-se insosso. O pequi não vende o seu ouro fácil, retém os seus frutos encobertos por uma casca quase sempre toda oliva, ora arroxeada,  e uma camada protetora densa e encorpada. Só depois dessas barreiras é que viça o dourado de sua polpa vislumbrante. E que não se iluda o degustador de primeira viagem: um caroço lenhoso, rijo, valente protetor com sua armadura de espinhos espera pelo incauto que se atreve a morder feito um glutão. O pequi exige uma ação parcimoniosa, um cuidado que para o esfomeado não é peculiar. Não se come o pequi, saboreia-se!

É o pequi a obra prima do Autor da savana do Brasil Central: simples, dentro do seu tempo de ternura; bruto, venha a estação que vier; rude, para quem não procura entendê-lo; terno, para quem o respeita. O pequi é fartura. 


Caryocar brasiliense (Cambess., 1828)

Caryocaraceae é uma família de plantas de distribuição neotropical, angiospérmicas ou magnoliófitas – vegetais espermatófitos em que as sementes são envoltas por uma proteção denominada fruto; dicotiledôneas – o cotilédone vem a ser as primeiras folhas que surgem dos embriões das plantas espermatófitas.

No caso das dicotiledôneas são duas folhas que irrompem na germinação das sementes. Engloba os gêneros Anthodiscus e Caryocar, ambos com espécies encontradas no Brasil, a maioria amazônica. Caryocar brasiliense (Cambess, 1828) é uma Caryocaraceae do gênero Caryocar marcante no domínio cerrado encontrada comumente no habito vegetativo árvore e mais raramente subarbustivo, fator que pode ser explicado devido as recorrentes queimadas provocadas em sua grande parte pelo homem, o que interfere no crescimento do espécime atingido.

O termo Caryocar nada tem a ver com a palavra “carioca”, gentílico de quem nasce na cidade do Rio de Janeiro. Origina-se da junção dos termos gregos caryon – noz, núcleo, referencia ao caroço envolto pela polpa amarelada ou a semente encontrada dentro do caroço (endocarpo) espinhoso – e kara – cabeça, referente ao formato do fruto, como um globo ou uma esfera (embora no caso do pequi não assuma propriamente esse formato). O epíteto brasiliense refere-se ao fato de a espécie ser originária do Brasil. Assim, em uma interpretação livre do nome científico pode-se dizer que o pequi é “um vegetal brasileiro cujo fruto é uma cabeça que envolve uma noz”.

Classificação Científica

Reino:
Plantae
Divisão: 
Magnoliophyta
Classe:
Magnoliopsida
Ordem:
Malpighiales
Família:
Caryocaraceae
Gênero:
Caryocar
Espécie:
C. brasiliense
Nome binominal:
Caryocar brasiliense (Cambess., 1828)

Consta que o pequi foi descrito por Jacques Cambessèdes – abreviatura Cambess. ao final do nome científico – em 1828, embora em minhas pesquisas não tenha encontrado nenhuma literatura que verse sobre a descrição feita pelo botânico francês. Na verdade a descrição, digamos, mais palpável foi a elaborada por Saint-Hilarie  (na minha humilde opinião quem deveria ser honrado com a graça de ser o responsável pela descrição do nosso fruto dourado, ao menos que o douto Saint-Hilarie tenha querido homenagear o seu colega da terra da Bastilha que tanto se esmerou em prol do conhecimento da flora através de seus estudos) na célebre obra Flora brasiliensis de von Martius. 

Conta-nos Saint-Hilarie em sua Viagem às nascentes do Rio São Francisco e pela província de Goiás 2º vol. (1937) que

“O pequi (Caryocar brasiliensis, A. S. H., Huss., Camb.) cresce em quase todos os campos que percorria desde muito tempo; mas, em parte alguma o encontrara em grande abundância…”.

Não teve ele nesse momento da viagem a ventura de topar com os belos campos onde ainda se contam pés a perder de vista distando nas matas que seguem ao longo de ambas as margens do Riacho Fundo.

O nome pequi

Quando os primeiros habitantes do Brasil domavam a terra com doçura o fruto duro esverdeado que guardava em seu cerne o ouro perfumado já fazia parte de sua cultura e sapiência. Aquele fruto certamente surpreendeu o pioneiro em mordiscar-lhe, dando-lhe de um golpe inesperado uma saraiva angustiante de espinhos. O sabor, porém, sobressaiu-se a dor e, por efeito do óbvio vieram os sábios tupis do Brasil primordial a denominar-lhe piqui ou pequi. Pequi é a junção de py – casca, pele – e qui – espinho: a casca espinhenta, que requer do seu admirador modos parcos, comedidos, sem muita sede ao ribeirão sob o risco de perder os cobres da gibeira.

Outros nomes

Nome comum é um trem danado. Se o matuto, depois de um dia inteiro de lida, for  perguntado “Mas,  o que é pequi?” ele vai responder em tom de grossura e pilhéria “Pequi é pequi uai!”.  Embora verossímil mesmo dentro da mais singela sinceridade ele escorrega, já que existem outras alcunhas para o pequizeiro, pois denomina como quer quem tanta certeza não tem. Assim, do ponto de vista  popular piqui, amêndoa-de-espinho, piquiá, pequiá, pequiá-pedra, grão-de-cavalo, pequerim, suari são todas formas aceitas para denominar o  butternut ou sowari– esses os nomes dele no estrangeiro.
  De verdade, verdade mesmo, vale em qualquer banda do mundo para o ouro do cerrado é Caryocar brasiliense!


Doce de pequi

Das iguarias feitas com o ouro do cerrado o doce é uma das  mais celebradas . Ele nos remete lá para a infância, para a casa da vovó e suas ânsias de fartura, neto envolto em comilanças, não raras vezes culminadas em piripiri. O cheiro agradável e o gosto marcante do pequi nos fazem esquecer a hora de parar.  O doce é bem calórico, já que o pequi é naturalmente um fruto cheio de substâncias oleaginosas. Mas é difícil um paladar que resista a tentação.
Seja de colher ou em pedaço vale cada mordiscada repleta de sensações.

Receita

  • 1 kg e meio de polpa de pequi
  • 10 litros de leite
  • 3 kg de açúcar

Modo de preparo

Em um tacho grande coloque o leite e o açúcar e mexa constantemente até ficar com uma leve coloração de doce de leite. Continue mexendo até a misturar ganhar consistência. Nesse ponto retire do fogo e bata constantemente. O doce estará em ponto de corte quando estiver se desprendendo do fundo do tacho.


 Despeje então sobre uma mesa de pedra levemente untada com manteiga e espere ficar morno para então iniciar o corte.


O pequizeiro 

O pequizeiro – Caryocar brasiliense (Cambess., 1828) – é um vegetal encontrado nos ecossistemas de domínio cerrado do tipo campo ralo, cerradão, sentido restrito e denso de hábito vegetativo árvore e mais raramente arbusto. Quando árvore apresenta-se frondoso de médio a grande porte podendo chegar a oito metros de altura. Os seus galhos são tortuosos formando uma vistosa copa aberta.

O caule é do tipo tronco lenhoso envolto por espessa casca castanho acinzentada cujo córtex – área externa, aquela que envolve a parte superficial da planta e é geralmente composta por células mortas – forma pequenos grumos como a cortiça ajudando a proteger o pequizeiro das ameaças do ambiente como pragas ou queimadas.  Quando trabalhada a casca produz uma tinta acastanhada utilizada no tingimento de lãs de algodão. Apresenta ranhuras ao longo de toda a superfície. As folhas são compostas – formam várias subdivisões ou folíolos ligadas por um pecíolo – estrutura que liga a folha a outra extremidade da planta –  à raque – pecíolo primário onde se conectam os demais pecíolos da estrutura foliar do pequizeiro –  trifoliadas – são três folhas ligadas por pecíolo à raque – opostas – as folhas se conectam ao mesmo nível no caule ou a raque, mas em oposição, estando pecíolo contra pecíolo em um mesmo nó. Apresentam intensa pilosidade em ambas as faces. Esse aspecto favorece a planta em ambientes onde há escassez periódica de água e nutrientes. São recortadas ao longo de toda a extensão de sua borda. Ricas em tanino, as folhas eram utilizadas na produção de adstringentes. 

A inflorescência nasce de um racemo terminal – eixo onde as flores se encaixam formando um cacho contendo entre dez a vinte elementos de sépalas tipo concha (côncavas). São flores actinomorfas – podem ser divididas em diversas partes iguais, também chamado de simetria radial –  com um longo pedicelo – haste de sustentação da flor e mais tarde do fruto – cujo cálice – invólucro externo – é formado por cinco sépalas verdes ou avermelhadas e a corola amarelo clara – invólucro interno –  envolvendo com cinco pétalas de base elíptica – radiando a parte de um ponto central –  e ápice arredondado. Ao desabrochar expõem os numerosos e alvos estames – folhas modificadas onde se encontram os gametas masculinos da planta, formado por uma parte alongada denominada filete e uma parte terminal dilatada denominada antera. Ao conjunto de estames dá-se o nome de androceu.   O pequizeiro é uma espécie autógama, ou seja, apresenta órgãos masculino e feminino na mesma flor e, embora essa característica a sua fecundação é do tipo polinização cruzada, em que um indivíduo depende do pólen de outro para ser fecundado. Os maiores responsáveis pela polinização de Caryocar brasiliense são as abelhas e os morcegos fitófagos – cuja base alimentar é exclusivamente vegetariana.


Os frutos são do tipo drupa – fruto carnoso que contém uma semente aderida ao endocarpo e só pode ser dele separada por ação mecânica –  com o  exocarpo ou pericarpo – casca – esverdeado (alguns espécimes apresentam uma coloração roxo esverdeada ou marrom esverdeada), mesocarpo externo – polpa branca – e mesocarpo interno – polpa amarela – oleaginoso. A intensa coloração se deve a presença de carotenoides. O endocarpo – camada mais interna que se encontra em contato com a semente – é lenhoso, duro e cheio de espinhos organizados em grupos apontando para o mesocarpo. Dentro do endocarpo se encontra uma amêndoa comestível rica em substâncias oleaginosas. 
A raiz é axial ou pivotante – uma única raiz principal penetra vertical e profundamente no solo, surgem raízes secundárias dessa primeira estrutura,  podendo aflorar sobre a terra a sua zona de ramificação (parte mais próxima da superfície). Produz uma substância tóxica que era utilizada antigamente para matar peixes. 

De acordo com Aspectos Agronômicos e de Qualidade do Pequi são reconhecidas duas subespécies que diferenciam-se particularmente pelo hábito:  C. brasiliense subsp.brasiliense, tendo porte arbóreo, chegando a oito a doze metros de altura , é a subespécie mais comum e C. brasiliense subsp. intermedium de porte arbustivo, chegando a até um metro e meio. É menos comum, encontrado em áreas mais restritas do domínio cerrado.


Arroz com pequi da Jú

Arroz com pequi junta as pessoas, combina com reunião de família, resenha de amigos no final de semana. Seja uma receita requintada ou o simples pequi cozido no arroz não deixe de brindar as pessoas que você ama com o inigualável sabor do ouro do cerrado. A seguir uma receita bem especial da amiga Juliane Tameirão. Um arroz com pequi para quem gosta de fartura e casa cheia. 

Ingredientes 

4 copos (250 ml) de arroz 

500 gramas de carne de sol

500 gramas de linguiça calabresa

500 gramas de bacon

500 gramas de linguiça de porco

500 gramas de linguiça tipo petisco

500 gramas de costelinha

400 gramas de vagem cozida picada

300 gramas de cenoura 

1 pimentão vermelho picado

1 pimentão amarelo picado

1 pimentão verde picado

200 gramas de azeitona sem caroço picada

1 cebola grande picada em cubinhos

Cheiro verde a gosto 

Duas colheres das de sopa de azeite

Pimenta biquinho a gosto

Pequi a vontade

Modo de preparo

Cozinhe o pequi e reserve. O tempo de cozimento em fogo médio depende da quantidade, geralmente leva em torno de 40 min a 1 hora para ficar ao ponto de despolpar (no caso raspar com os dentes sem dificuldade).
Em uma panela grande torre o arroz e refogue com a água do cozimento do pequi. Tempere a gosto.  Adicione alguns frutos para realçar ainda mais o sabor. Quando o arroz estiver ao dente retire do fogo e reserve.

Faça a fritura das carnes separadamente e reserve conforme for terminando o processo. Em uma panela grande adicione as duas colheres de azeite. Doure a cebola, os pimentões, acrescente as vagens, a cenoura e a azeitona misturando bem. Acrescente o pequi e as carnes. Adicione o arroz aos poucos e vai misturando. Finalize com o cheiro verde e a pimenta biquinho.
Chame o povo e receba os cumprimentos.


Pequi e bem estar


O pequi é bem mais que um alimento rico em cultura, incrustado permanentemente na erudição dos povos do Brasil central, tão familiar aos que com ele convivem – a quem exige poucas minudências que devem ser ressaltadas apenas para o estrangeiro: que não se atreva a sair mordiscando o ouro de qualquer jeito. Para esses requer o fruto uma introdutória. Trata-se de uma fonte de benefícios para a saúde pouco explorada e divulgada para a população em geral. Estudos indicam a eficácia de seus compostos no controle de problemas do corpo que muito transtorno causam aos seus portadores. Vamos conhecer um pouco mais o pequi como planta medicinal, colaborando diretamente para o bem estar de quem o consome, indo muito além do prazer que proporciona ao paladar.

De acordo com Alimentos regionais brasileiros  o pequi (C. brasiliense) é um alimento rico em fibras, carboidratos, cálcio, fósforo, ferro, retinol, vitaminas do complexo B (B1 e B2), niacina, e vitamina C. Uma particularidade da fruta é a sua rica concentração de beta carotenoides e óleos essenciais. Outras fontes citam o pequi como importante fonte de  potássio e ácidos graxos monoinsaturados.
O consumo do pequi deve ser incentivado e preservado não somente como parte da cultura dos locais onde ocorre mas também como uma fonte de alimentação que traz segurança nutricional e funcional para todo o organismo de quem o ingere. A castanha do pequi é rica em zinco, iodo, ferro e manganês. O pequi pode ser utilizado, entre outros benefícios, como:

Redutor de radicais livres – Os radicais livres são átomos ou moléculas dos organismos com a particularidade de faltar um elétron em sua estrutura química. Eles compensam essa falta sequestrando elétrons de outras moléculas afim de se tornarem estáveis – o que “transforma” as moléculas atacadas em outros radicais livres ocasionando assim uma reação em cadeia. Com o passar do tempo essas constantes reações se tornam prejudiciais ao organismo, podendo estar por trás de enfermidades como diversos tipos de cânceres, doenças cardíacas, Mal de Parkinson e Alzheimer. Uma das consequências mais evidentes da ação dos radicais livres é o envelhecimento. A ingestão do pequi ajuda a combater a ação desses vilões do organismo devido a presença em sua composição de importantes antioxidantes como a vitamina C e o beta caroteno.

Sistema digestivo – O pequi é rico em fibras solúveis (polissacarídeos – moléculas originadas da junção de diversos monossacarídeos constituída de macromoléculas. São polímeros, ou seja, as moléculas que os formam são idênticas entre si.  Insolúveis em água, os polissacarídeos são importantes para os seres vivos quando atuam como armazenadores de energia e na estruturação dos organismos) que não são hidrolisadas (reação em que a substância é decomposta ou alterada pela água) quando passam pelo trato gastrointestinal.  Essas fibras ajudam na digestão e absorção dos nutrientes pelo organismo, adicionando volume, o que contribui na redução da constipação, cólicas e diarreia.

Coadjuvante no tratamento de câncer – Pesquisas recentes coordenadas pelo professor César Koppe Grisólia (UnB) demonstraram que o pequi, corretamente administrado, tem ação importante contra os agressivos efeitos colaterais causados pelos remédios utilizados no combate ao câncer. Essa importância se dá devido aos seus componentes que agem no já explicado combate aos radicais livres.

Colesterol – Devido a grande concentração de ácidos graxos monoinsaturados (são gorduras que apresentam uma dupla ligação de moléculas presentes em diversos tipos de vegetais como o abacate e amendoim. São encontrados geralmente no estado liquido quando em temperatura ambiente) o pequi pode ser utilizado no controle das taxas de colesterol LDL (chamado de colesterol ruim, a lipoproteína de baixa densidade – LDL – regulada no organismo tem a função de levar colesterol e triglicerídeos para as células do corpo que estejam necessitando), eliminando esse indesejável inimigo do organismo, evitando dessa forma os riscos de diversos problemas cardíacos e cardiovasculares.

Ação anti-inflamatória – Pesquisas em atletas demonstraram que o pequi tem interessante ação na recuperação do desgaste físico causado pelas intensas atividades praticadas pelos participantes bem como na redução de processos inflamatórios. A ação dos componentes no fruto contra os radicais livres é o principal fator observado pela pesquisa.

Criptococose – Doença causada pelo fungo Cryptococcus neoformans, a criptococose é uma micose oportunista caracterizada por lesões em forma de nódulos nos tecidos subcutâneos, abcessos nos pulmões, cérebro e meninge. O estrato das folhas e componentes presentes nos óleos essenciais da polpa e da castanha apresentaram considerada ação antifúngica, em particular a cera epicular da folha, que obteve resultado inibidor de  91,3% dos isolados de fungos.

Cosmética – O óleo obtido da castanha, pelo seu aroma suave, tem importante valor na indústria cosmética para a fabricação de produtos para a pele a cabelo.

Outros benefícios –  O fruto e as demais estruturas do pequizeiro quando corretamente beneficiados podem representar importante papel no combate a asma, bronquite e demais problemas respiratórios. Na cultura popular tem ação afrodisíaca. O pequi ainda é pouco utilizado até mesmo pelas populações das áreas de ocorrência, as suas propriedades nutritivas e terapêuticas devem ser divulgadas e o seu consumo estimulado.


Pudim de Pequi

Ingredientes

2 latas de leite condensado
2 latas de leite integral (use uma das latas de leite condensado como medida)
6 ovos
4 colheres de pequi cozido e raspado 
1 xícara de chá de açúcar

Modo de preparo

Faça uma calda caramelizada com o açúcar, despeje em uma forma com furo no meio e reserve. Batas os demais ingredientes no liquidificador. Despeje a mistura na forma e leve ao forno em banho maria por aproximadamente 1 hora e meia  – faça o teste do palitinho: com um palito de dente fure o pudim, se ele sair limpo é sinal de que o pudim está no ponto. Após esfriar leve para a geladeira até a hora de servir. 
Desenforme e saboreie com a sua família e amigos.

A coleta do Pequi

Vou caçar pequi: é assim aparentemente sem doçura que se anuncia o intento. Pequi se caça, é dos modos de falar do povo interiorano para quem o vocábulo se presta a tudo quanto é distinção. Por exemplo: aqui se sabe que tudo é trem: “pequi é trem bão demais, sô!”. Tudo tem sua variante. Caçar remete a morte, mas caçar o pequi remete a infância, a carinho da avó e cafuné. 
Deve-se acordar cedo para a catação, nessa hora os frutos forram o chão por debaixo dos tantos pés a perder de vista. 

Pequi não deve ser apanhado no pé, ao menos que já esteja expondo o ouro. Ele sabe a hora certa de cair. Respeita as leis do seu entorno, as transformações do vento. Pode vir a baforada mais estúpida que, se não for o momento certo ele não cai. Quando pronto a menor brisa o deita no chão.  O pequizeiro é genioso, absorveu todas as nuances da natureza do sertão: para abalar o geraisista, qualquer povo dos gerais, povo bicho ou povo planta, só com força desleal.
Deve-se tomar um cuidado importante. Dizem os antigos – e tudo do antigamente tem sua razão de ser e, de fato, pelo sim pelo não temos que ter reserva – que cobra de má peçonha gosta de descansar na sombra fresca, se desfazendo no meio da serrapilheira. Um pedaço de pau, um cajado qualquer é analisar com ele o espaço. O chocalho sonou é bom se desvencilhar dali: pequi dá em campo vasto, um ou outro pé sem visita não vai fazer falta para a conta final. Também é importante não ir sozinho. Na catação do pequi enquanto um se enverga no apanho o outro se esmera na curvelana. O corte deve ser com jeito para não machucar a carne cor de ouro. Existem frutos que cedem fácil, outros que pedem mais do descascador. É bom evitar ficar debaixo do pé: vira e mexe cai um fruto e a lembrança da catada vai ficar por mais tempo. De vez em quando vale pegar um fruto e jogar bem longe, assim mesmo, sem descascar. Joga com toda força, escolhe um que tenha três ou quatro sementes. Ano que vem vai ter três ou quatro pequizeirinhos  rebentos, prontos para encarar as sutilezas do cerradão.


A casca verde se deixa ali mesmo, é dos poucos trens que não ganharam uso algum, nem de limpar, nem de comer, nem de tingir. Devia ser alimento de gado, mas quem se esbalda é o bando organizado das saúvas. Essa gente pequenina do mato lavra dia e noite, quanta massa mole houver no cerrado, seja verde, creme ou dourado vai levando para o olho do formigueiro. A gente, gente mesmo, guarda a safra da lida em sacola de pano ou de plástico mesmo, feliz do dia, feliz da vida, já dobrando as imaginuras no que fazer com aquela fartura. Tem o doce, o licor, com arroz e o pudim – com o açúcar ou o sal e até no café da manhã. Chocolate de pequi, conhece?
Aí despolpa e guarda no congelador para ter o ano todo.


A ninfa do pequizeiro 

A interação entre as espécies no meio ambiente é um dos temas mais fascinantes da ecologia. Um ser vivo, por menos exigente que seja, em algum momento da sua existência precisará se relacionar com um outro ser como ele ou alguma outra forma de vida. As relações podem trazer benefícios para uma das espécies, para as duas ou mesmo para nenhuma delas.

Eunica bechina (Hewitson, 1852)

Há, nesse contexto, uma intricada relação interespecífica envolvendo diversas espécies de formigas, a borboleta Eunica bechina e o pequizeiro. A árvore apresenta nectários extraflorais, estruturas que secretam uma substância com as características do néctar, as formigas então se beneficiam da árvore se alimentando dessa substância, em troca elas retiram ou predam as larvas da borboleta que estiverem no pequizeiro. Temos assim uma relação interespecífica do tipo proto cooperação. E. bachina , por sua vez, mantém com C. brasiliense uma relação interespecífica do tipo herbivoria, já que a borboleta, em sua fase larval – lagarta – se alimenta das folhas do vegetal. Já com as formigas podemos dizer que E. bechina mantém uma relação de competição interespecífica sendo que ambos se alimentam de estruturas ou substâncias de C. brasiliense – uma espécie trazendo danos para a planta e a outra benefícios. Dessa maneira a fêmea de E. bechina se vale de uma complexa adaptabilidade comportamental e sensorial para garantir o maior sucesso possível para que os seus descendentes cheguem a idade adulta. As borboletas observam todo o ambiente e escolhem para ovipositar os pequizeiros com grande quantidade de folhas novas e que são pouco visitadas pelas formigas. Elas também se beneficiam da coloração das asas quando fechadas para se camuflar no tronco das árvores, passando assim despercebida no ambiente.

As larvas de E. bechina também utilizam curiosos mecanismos de defesa como a construção de uma espécie de ponte de fezes onde se abrigam estando assim livres dos ataques das formigas que vão e vêem pelas estruturas da árvore. Outra tática é regurgitar ou liberar um fluído corporal que deixa as formigas atordoadas, evitando dessa forma suas investidas , o que certamente seria fatal para a lagarta. Se tudo isso não funcionar ela então se joga do pequizeiro pendurando-se por um fio de seda, o que lhe garante o retorno para a árvore em segurança.
Como se pode notar cada espécie evolui os seus mecanismos para garantir a perpetuação de seus descendentes da maneira mais eficaz possível e, mantendo-se o ambiente harmônico, essa relação se equilibra e todos os atores envolvidos acabam vencendo nessa competição. O vilão dessa histórica lógico é o ser humano quando através de suas ações de queima e derrubada de áreas naturais desestrutura todo um sistema que vem se ajustando constante e progressivamente ao longo dos milhares de anos.


Pequizeiro de muitos hóspedes

No intricado jogo da vida os indivíduos evoluíram diversos mecanismos de sobrevivência e essa adaptação passa inevitavelmente pela convivência com os demais seres que habitam o mesmo espaço. Com o pequizeiro não é diferente. Espécie que costuma dominar a paisagem onde ocorre C. brasiliense influencia e é influenciado diretamente por diversos seres da fauna e da flora.

Formigas saúvas (Atta sp.) em fruto de pequi caído no chão.


 Cada pequizeiro abriga em si um ecossistema complexo, onde  os seres vivos nele inclusos mantêm estreita relação entre si, destacando-se a entomofauna – fauna constituída particularmente pelos insetos – com uma enorme gama de indivíduos das mais variadas ordens e as mais diversas formas comportamentais. Destaca-se também a aracnofauna – fauna de aranhas e afins. Abrigo, polinização, predadores e presas, ações de mutualismo e herbivoria, toda uma dinâmica funcional em torno de um único ser vivo. Entender essa dinâmica de seres e suas cartadas no jogo da sobrevivência nos faz analisar com outros olhos algo com que estamos acostumados. Nesse entendimento o pequizeiro não é somente uma árvore de belas flores e frutos perfumados – é um gigante que transpira e pulsa, agrega desde o mais tenro ramo, da serrapilheira à ponta da raiz mais profunda toda uma gama de hóspedes com suas especificidades e nunces. Vamos conhecer um pouco dessa relação pequizeiro e demais seres vivos.

Da esquerda para a direita: 1: Percevejo-barriga-verde (Dichelops melacantus)  2: Possível ninfa de esperança enroladora de folhas (Pycnopalpa sp.) 3: Formiga tocandira (Paraponera clavata) 

Dinâmica da vida em um pequizeiro

Da esquerda para a direita: 1: Louva-a-deus (Stagmatoptera sp.)  2: Percevejo assassino (Heniartes sp.) 3: Galhas são reações tumorosas de um vegetal frente ao ataque ou oviposição de insetos.

Amanhece o dia.

O sol raia ainda tímido entre as esparsas nuvens ao leste curvelano. Os seres da noite se puseram recônditos. A leve brisa espalha uma falsa sensação de frescor pelo cerradão. A mariposa  Rhodoneura intermedia procura abrigo sob as pilosas folhas.

Mané-magro – Cephalocoema acus (Piza Jr., 1946)
A relva goteja ainda na serrapilheira onde o mané-magro (Cephalocoema acus) se mistura fazendo-se imperceptível. As formigas saúvas (Atta sp.) não cessam a intensa dinâmica de ir e vir desfazendo os frutos caídos numa velocidade incrível. Muitos jazem com o endocarpo a mostra, aflorando os afiados espinhos. Outros seres tentam se organizar na balbúrdia formada pela fartura da podridão do mesocarpo daqueles frutos que as saúvas não selecionaram. Pequeninos Dipteros e Blattideos disputam espaço com outros não menos diminutos Coleópteros.

Um enxame de abelhas Tetragonisca angustula encontra uma fresta na base do pequizeiro e começa uma nova colônia. Subindo o tronco grumoso e saliente pequenos Lepidópteros se escondem por entre as frestas. A mosca preta (Anthrax sp.) brinca de voejar e pousar sobre as saliências, ora subindo, ora descendo, ora se escondendo na face oposta do tronco. Ela pousa incauta sobre a asa de uma Tyzania zenobia que sai em desvairada sumindo na imensidão do cerrado – mas o caule tem espaço para todos, inclusive para os cupins arborícolas e suas enormes construções. A gigante mariposa se precipitou em seu desvario. Fizesse como Eunica bechina, que deu apenas uma ajeitadinha para o lado e continuou ali, com suas asas fechadas, se fazendo de cortiça. O sol esquenta e o pequizeiro então começa a liberar uma doce substância dos seus nectários extraflorais o que atrai diversas outras especies de formigas. A Cephalotes pusillus só quer aproveitar essa fartura deliciosa pouco se importando com outros inquilinos que estejam por perto. Já as formigas tocandira (Paraponera clavata) e Pachycondyla sp.  são ruidosas. Agressivas, ao menor sinal de movimento suspeito elas já se colocam em guarda. Essas formigas têm uma picada particularmente dolorosa e não é bom brincar com elas.

Ninfa de percevejo Edessa rufomarginata. 

 Esses nectários extraflorais transformam o pequizeiro em uma celebração. Abelhas dos mais diversos gêneros, das zoadeiras Xylocopas às delicadas Trigonas, a borboleta Phoebis sennae  e sua grandeza cor de sol, todas disputam com as formigas o direito de usufruir da guloseima. Edessa rufomarginata é um percevejo da família Pentatomidae que é atraído para o pequizeiro devido ao sabor de sua seiva, mas chamou a atenção de um jovem aquela balbúrdia e ele foi conferir se aquela substância merecia a atenção que estava tendo de quase toda a entomofauna. Ele não ia deixar passar a oportunidade de se deliciar com a iguaria. Mas logo uma aranha Araneus guttatus surgiu de repente e fez com que todos fugissem em desvairada, uns por medo de virar presa outros assustados pela algazarra provocada. Essa aranha é oportunista e tem como hábito aguardar um descuido das suas vítimas à espreita, por algum motivo esse espécime estava se deslocando pelo pequizeiro. O certo é que para o nosso jovem experimentar aquela atração teve que ficar para outra hora, cair nas garras dessa aranha poderia ser fatal. A única chance era bater em meia volta e procurar por brotações novas ou pequenos pequis para matar a fome.

Da esquerda para a direita: 1: Araneus guttatus 2: Trochosa sp. 3: Ninho com aranhas recém eclodidas.

O nosso jovem Edessa rufomarginata continua a sua aventura pelo gigante esverdeado. Mas nesse universo é sempre importante ter cautela, mal sabe ele que está sendo constantemente vigiado. O louva-a-deus (Stagmatoptera sp.) espreita pacientemente por uma presa incauta, a aranha Araneus guttatus aguarda sorrateira à porta do belo ninho tunelado feito de folhas e teia alva. Vespas caçadoras vasculham periciosas por vítimas nas quais vão inocular o seu veneno paralisante.

Formiga (Cephalotes pusillus).

Todo cuidado é pouco, predadores vorazes podem de um instante se tornar a próxima vítima. Cada centímetro requer uma minuciosa análise, o micro mundo é cheio das mais incríveis surpresas, da sutileza à completa agressividade num piscar de olhos. De repente, um susto! Da face oposta de uma folha recém brotada surge um estranho hóspede nunca visto por ali. Edessa rufomarginata não tem outra saída a não ser se esquivar para o outro lado do tronco, a agitação das suas antenas não deixa dúvidas, o momento é de tensão. Esse, porém, não representa perigo para o nosso cauteloso jovem Pentatomideo. Trata-se de uma possível ninfa de esperança enroladora de folhas (Pycnopalpa sp.). Da mesma forma que apareceu o bicho foi embora. O jovem percevejo libera então um liquido açucarado. Essa é uma técnica importante de segurança que o Edessa rufomarginata  utiliza. Logo surgem formigas que tocam com  as antenas nele como que pedindo mais da deliciosa iguaria. Ao oferecer alimento para as formigas elas lhe garantem proteção. Essa interação entre o percevejo e a formiga é chamada de trofobiótica. São as regras da vida se impondo obrigando os seres a criarem mecanismos de interação e defesa em prol da auto sobrevivência.

Da esquerda para a direita: 1: Dikrella sp. 2: Cupinzeiro arborícola 3: Ninfas de Edessa rufomarginata

O pior no entanto esta por vir. O percevejo Reduviidae Heniartes sp. é um de seus maiores inimigos e não se furta de procurar pelo emaranhado de folhas bordadas por um incauto Pentatomidae.

Formigas Pachycondyla sp.

 Estará Edessa rufomarginata protegido entre a folhagem densa daquela ganeira? A jovem ninfa se distrai sugando o exsudato de uma folha recém brotada. Heniartes sp. se aproxima vagaroso sentido o frescor da caça.A frieza de seus movimentos denotam a absoluta certeza que tem do sucesso de capturar essa presa envolta em tamanha distração. O percevejo assassino lança-se sobre o jovem fitófago. Sua curta existência estará perto do fim? Heniartes sp. não esperava que o pequeno se esquivasse e se jogasse do tortuoso galho vindo a cair em outra parte do pequizeiro mais abaixo. Dali se pôs em disparada por entre as folhas estando definitivamente fora do alcance de seu algoz. E não foi dessa vez que Heniartes sp. conseguiu se alimentar. Mas o dia é longo na savana e ele não passará sem outra oportunidade.

Da esquerda para a direita: 1: Abelha nativa (Tetragonisca angustula) com ninho na base do pequizeiro 2: Mariposa Rhodoneura intermedia 3: Ninho de aranha na serrapilheira formada abaixo de um pequizeiro pelas folhas e galhos secos.

A tarde chega e o sol demonstra toda a sua impetuosidade. A sombra se torna objeto de disputa e muitos dos seres que habitam o pequizeiro preferem se manter latentes. A mariposa Rhodoneura intermedia se esconde por debaixo de uma folha enferrujada, o mesmo fazem os besouros Naupactus sp. e Melasoma populi. Não é hora de gastar energia e o jovem Edessa rufomarginata sabe que repô-la nesse momento é tarefa por demais fastidiosa. Ele escolhe um ramo sob uma folhagem nova para descansar. Acima dele uma folha com uma enorme quantidade de galhas, certamente ação de algum dos diversos e pequeninos  Dipteros, Hymenopteros ou mesmo Dikrella sp..

Besouro (Melasoma populi).

O pequizeiro já a muito deixou de oferecer o seu néctar extrafloral. O momento é de repouso mas também de atenção. Outros E. rufomarginata em diversos ínstares optam pelo mesmo local para descansar e se aglomeram. Adultos da espécie também repousam por ali. O viço de seu esverdeado e a imponência diante as numerosas ninfas os destacam. Um deles, que se encontra a uma certa distância do grupo de ninfas. chama a atenção. Ele para de sugar o pedúnculo de uma folha recém brotada e começa a agitar nervosamente as antenas. Das metacoxas exala o repugnante cheiro de defesa. Todos se põem em alerta. Ele então se deixa cair do galho indo direto na serrapilheira. De um instante uma das ninfas se debate, tenta se desvencilhar de um ataque fulminante: era o percevejo Heniartes sp. em ação. Os demais debandam enquanto o predador se farta da sua presa. O nosso Edessa rufomarginata retira-se logo, aquele definitivamente não é um local seguro do pequizeiro e, mesmo com o sol escaldante é necessário que ele encontre outro local com maior proteção.
O sol está quase se pondo, é belo os raios atravessando o ninho onde se encontra um aglomerado de diminutas aranhas eclodidas a pouco. Os pequenos seres do dia se agitam novamente para a derradeira chance de conseguir alimento até o anoitecer. Um marimbondo chumbinho (Polybia sp.) raspa de modo peculiar uma folha do pequizeiro. Estaria ele juntando material para o fazimento do ninho?

Da esquerda para a direita: 1: Marimbondo chumbinho (Polybia sp.) 2:  Ooteca ou ninho de espécie não identificada 3: Besouro Naupactus sp.

A noite cai impondo novos desafios, trazendo consigo os mais diversos seres com as mais diversas necessidades de sobrevivência. Morcegos fitófagos voam rápido sobre o pequizeiro, eles sabem que ali não terão mais a magnificência das flores, o seu trabalho já tinha sido concretizado e a centena de frutos em penduricalho demonstravam o seu efeito. Edessa rufomarginata, do seu recôndito, observava mesmo era a infinidade de cores e formas das mariposas que ora passavam, ora pousavam em suspeito descanso. Rhodoneura intermedia já pode deixar o esconderijo e sair em busca de alimento. O pequizeiro a noite serve de esconderijo e fonte de alimentação e reprodução para diversas espécies. A jovem ninfa Edessa rufomarginata deve manter o estado de alerta enquanto procura pelo se alimentar. Perigos estão por toda parte. Tudo tão claramente igual. 
Amanhece o dia…


 Nota de observação pessoal – A ação de espécies daninhas ao pequizeiro em Curvelo não parece comprometer a sua dinâmica de sobrevivência. O maior fator que aparenta contribuir para mudanças em seu ciclo é abiótico – força natural desprovida de vida mas que interfere na vida, como os ventos, a radiação solar e as chuvas. Observou-se nos últimos anos um decréscimo na safra, fator que pode estar ligado a pequena quantidade de chuvas. A safra 2015/2016 observa-se extremamente abundante – chuvas ocorreram com certa regularidade principalmente nos meses de novembro e dezembro de 2015, época em que as flores estão caindo e os frutos no período mais importante de seu desenvolvimento. Assistimos também a diminuição das queimadas, fator que também pode ter colaborado para a fartura da messe. A maior ameaça ao pequi em nossa região ainda continua sendo as mudanças causadas pela ação antrópica como o avanço imobiliário, a substituição da mata nativa por pastagens e o fogo tocado a revelia.

Licor de Pequi da roça

O licor de pequi esquenta o corpo, abre o apetite e serve bem as visitas. Em um dedo de prosa ou numa moda de viola relembre um dos sabores mais fascinantes da roça. Aproveite do sabor especial e não se esqueça do gole do santo. 

Ingredientes

10 pequis crus
1 litro de cachaça
1 litro de água
2 copos de açúcar

Modo de preparo
Em uma vasilha de vidro com tampa coloque os pequis e a cachaça. Deixe descansar por quinze dias – esse período é importante para que a cachaça adquira as propriedades do pequi. Estará no ponto quando a cachaça assumir uma coloração amarelada. Após esse tempo retire o pequi e coe a cachaça com uma peneira fina de cozinha. Reserve. Em uma panela coloque os dois copos de açúcar e adicione a água. Faça uma calda em fogo médio. Quando a calda estiver pronta desligue o fogo, espere esfriar e adicione a cachaça. Misture bem. Coloque em uma garrafa de vidro. 
Aprecie com moderação. 

Protegido por lei

O conhecimento de que o pequi é protegido por lei parece coisa de lenda. Todo mundo sabe, mas ninguém entende ou tem real acesso a legislação que trata dessa proteção. 
A seguridade legal surgiu da percepção de que o aumento desenfreado e devastador da destruição das áreas de ocorrência estavam a largos passos levando a espécie para um caminho sem volta: a extinção. Algo deveria ser feito urgentemente para coibir as ações ambiciosas do ser humano e sua sede de lucro a qualquer preço. Nesse contexto foram sendo publicadas pelos governos dos estados e pelo governo federal diversas normatizações na tentativa de coibir a agressão contra o pequizeiro, cometida comumente por carvoarias, produtores de monoculturas e uma centena de outros setores da economia.

O IBAMA publicou a Portaria nº 113, de 29 dezembro de 1995 que traz em seu artigo 16:

“É proibido o corte e a comercialização do Pequizeiro (Caryocar spp) e demais espécies protegidas por normas específicas, nas regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste.”

Isso quer dizer que as espécies da família Caryocaraceae pertencentes ao gênero Caryocar não podem ser cortadas ou ser objeto de qualquer tipo de comercialização. A lei é bem clara mas na prática não produz os efeitos esperados. Não raro pequizeiros são derrubados sem que os responsáveis sejam sequer identifica.É hábito comum a derrubada da mata nativa preservando-se apenas alguns pequizeiros, assim o infrator, pessoa física ou jurídica, se apóia na lei justificando: “Uai sô, óia o piqui aí! Num tem nada de errado”. Dessa forma o pequizeiro se torna um solitário muitas vezes envolto por reflorestamento de eucalipto ou outra monocultura. A portaria então peca em estabelecer que apenas os indivíduos do gênero Caryocar devem ser preservados. Um ecossistema é a interação entre todos os seres vivos nativos nele compreendidos e de que dele dependem. Um adendo que eu faria ao artigo 16 da referida portaria seria:

“Fica proibido em uma raio de cem metros do Pequizeiro (Caryocar spp) o corte da flora nativa, assegurando dessa forma a renovação da fauna e flora garantindo a eficaz ação de agentes polinizadores e demais compreendidos no ecossistema”

Minas Gerais e o Pró-Pequi

O Programa Mineiro de Incentivo ao Cultivo, à Extração, ao Consumo, à Comercialização e à Transformação do Pequi e demais Frutos e Produtos Nativos do Cerrado, chamado de Pró-Pequi foi criado pela regulamentação da lei nº 13.965, de 27 de julho de 2001. Trata-se de  uma iniciativa do estado de Minas Gerais para agregar valor econômico e social ao consumo e comercialização do fruto através de estratégias  de manejo sustentável beneficiando as comunidades  que vivem nas áreas de ocorrência, com foco na correta extração e beneficiamento do pequi. Na prática a lei ainda “não pegou”. No caso especifico de Curvelo e região não existem instituições ou grupos organizados que estejam amparados por essa legislação e usufruindo dos resultados e mecanismo que ela dispõe. Em seu artigo 10 parágrafo V a lei diz que uma de suas prerrogativas é

“incentivar, sob a perspectiva agroecológica, o aperfeiçoamento técnico e o desenvolvimento de agricultores familiares e trabalhadores rurais envolvidos na cadeia extrativista do pequi e demais frutos e produtos nativos do cerrado;”.


O pequi, no sentido como disposto no texto legal, teria um efeito bonificador na vida de milhares de pessoas que vivem em áreas com alto potencial extrativista, não se pode aceitar que uma lei com tão grandiosas atribuições continue utópica, tendo efeito apenas no papel.


O ouro na terra do cristal

 O pequi é nosso, é o nosso ouro que se oferta nos cerrados de dezembro a março. Sombra o ano inteiro. Há quem não goste, minoria é verdade, povo que perde as benesses do seu sabor, do seu potencial nutritivo, da sua força cultural.

 O nosso cristal não é nosso, é quase única e exclusivamente de uma turma de olhos puxados. Sabemos dele por ouvir falar, muda terrivelmente a paisagem e poucos dele se beneficiam. O rosa, o cheio de rochas que chamam de esfumado, dizem que desses tem em nosso chão. Vai dar nome até a circuito, coisa de andança de carro a toa e poluição! Tudo distante, riqueza de um só punhadinho de gente…
Curvelo se orgulha é da curvelana, de ser terra do forró, de Lúcio Cardoso: a Capital da literatura roseana. Terra de São Geraldo e Santo Antônio. E do pequi!  

Veja também: Botânica


Saiba Mais: Sabores e saberes do pequi – Caryocar brasiliense Cambess.,(Caryocaraceae) – e os valores culturais do cerrado, Arara.fr – Pequi, A lenda do pequi, Aproveitamento de recursos naturais da biodiversidade amapaense: óleo fixo do piquiá (Caryocar villosum (Aubl) Pers.) como anti-inflamatório tópico, Wikipedia, Agência Embrapa de informação tecnológica, Jardineiro.net, Anatomia comparada do lenho de Caryocar brasiliense (Caryocaraceae) em fisionomias de cerradão e cerrado sensu stricto, Plantas do Cerrado, Pequi – cultivo, caracterização físico-química e processamento, Plantas usuais dos brasileiros, Brasiliana Eletrônica, Mundo Educação, Biologia e ecologia de E. bechina, Formigas do Brasil, Aspectos Agronômicos e de Qualidade do Pequi, Infoescola, Comunicado Técnico 230 Embrapa, Emater Goiás, Revista Globo Rural – ed. 216 LegisWeb, Programa de incentivo ao pequi de Minas, Conselho diretos Pró-pequi, A cultura do pequi, Ecologia populacional e extrativismo de frutos de C. brasiliense Camb. no cerrado no norte de Minas Gerais, Atributos biométricos e teor de extrato etéreo de acessos de pequi (Caryocar spp.) como potencial fonte de produção de biocombustível, Info Escola – Radicais livres, Experimentos de química, 7 Benefícios do pequi para a saúde, Pequi para quê?, Biodiversidade de insetos em Pequizeiro (Caryocar brasiliense, Camb.) no cerrado do Estado de Goiás, Brasil,  Insetologia.

Agradecimentos:

À minha esposa Arli Valgas, que foi valente comigo na catação do nosso ouro, Eustaquio (Taquinho) e família, Marcos Antônio, Dalvinha e Alzira, pelo fazimento do doce,  Juliane Tameirão e família, pelo arroz com pequi e o pudim. Marcos Alexandre e Zé Carlos companheiros de andança.

GMJP



6 thoughts on “Pequi – o ouro na terra do cristal”

  • Guilherme Fluckiger disse:
    janeiro 25, 2016 às 8:26 pm

    Texto sensacional, uma aula de ecologia regada de sensatez ambiental e aquele toque especial de MG, de Curvelo!!!

    Responder
  • Geraldo M. Pereira disse:
    janeiro 25, 2016 às 8:40 pm

    Muito obrigado, meu amigo.

    Responder
  • Rosângela Corrêa disse:
    fevereiro 19, 2017 às 8:00 pm

    Amei o texto Geraldo! Você teria outro texto sobre a relação dos mamíferos e o pequi?
    Aguardo a sua resposta.
    Um abraço.

    Responder
  • Geraldo M. Pereira disse:
    fevereiro 20, 2017 às 6:07 pm

    Olá Rosângela Corrêa, desculpe a demora na resposta.
    Obrigado pelo comentário. Não tenho dados sobre esta interessante relação, fica como dica para uma postagem no futuro. Sugiro entrar em contato com a Sarah Melo (sarahmelo.pequi@gmail.com), ela tem um interessante trabalho sobre o nosso ouro do cerrado.
    Abraços.

    Responder
  • Anônimo disse:
    março 29, 2019 às 3:57 pm

    .
    Ótimo artigo, Geraldo!
    Apreciei as observações originais suas.
    Assim se faz Botânica Econômica.
    Celso
    Celso Lago-Paiva, Curvelo MG
    .

    Responder
  • Hélio Batista da Silva disse:
    agosto 2, 2019 às 5:42 pm

    Trabalho muito bom sobre o pequi. Gostaria de fazer uma pergunta: Tenho um pé de pequi no meu quintal, que seu caule cresceu muito inclinado, já colhermos muitos frutos no passado e devido a inclinação muito forte e o peso dos galhos e folhas o caule quebrou no período chuvoso a dois anos atrás. Pensei que tinha morrido. Agora neste ano no período chuvoso voltou a brotar e sair novos galhos. Só que o local onde se encontra hoje tenho outras plantações e preciso mudá-lo para outro ambiente. Isso é possível? Se afirmativo como posso fazer essa mudança de forma segura a não perder o pé?

    Responder

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