Deu galha no galho
Não raro em nossas andanças ou mesmo observando as plantas do pomar ou jardim nos deparamos com curiosas formas nas estruturas vegetais. Aquela bela árvore majestosamente retilínea apontando para o céu na incrível busca pela luminosidade ideal, a luta por espaço em prol da fotossíntese.
Apresenta em seu caule, no entanto, uma disforme corcova – um mero obstáculo, um detalhe sem importância diante a sua imponência. Mas, o que será esse montículo enegrecido?
Então, o que são essas estruturas?
Galhas, galhos e bugalhos… e cecídias!
Na prática, ocorre uma reação a uma ação do agressor, uma interação ecológica interespecífica desarmônica evidenciando um parasitismo, onde o vegetal se encontra em condição de desvantagem, perdendo funcionalidades de suas regiões afetadas e potencial nutricional sem contudo correr o risco de perecer. Na maioria das vezes as galhas não ocorrem em toda a planta, afetando ou somente as folhas e demais estruturas foliares ou somente o caule e suas ramificações.
No aspecto visual as galhas têm geralmente uma textura áspera e acentuada dureza em relação ao tecido vegetal atacado, forma variada mas constante quando entomógenas e geralmente anormais ou difusas quando causadas por micro organismos.
Estudos indicam que quanto maior a exposição do ambiente a fatores abióticos ou adversos quanto às suas características fundamentais maior a incidência de galhas. As áreas de domínio cerrado são particularmente propensas, já que as variações de temperatura, vento e pluviosidade marcam de modo profundo a sua ecologia. Derivações causadas pela ação antrópica – queimadas e desmatamento principalmente – também colaboram para que os vegetais se tornem propensos ao galhamento.
São consideradas duas interações que podem ocasionar o surgimento das galhas: a interação entomógena e a ação de micro organismos.
As galhas causadas por insetos ou entomógenas ocorrem quando da oviposição ou ataque do inseto a uma determinada área do organismo vegetal. A planta provocada então se protege englobando o agente provocador. Os insetos galhadores se beneficiam encontrando proteção e alimento dentro da estrutura formada. As suas larvas utilizam as galhas como uma espécie de dreno ou estrutura de reserva de alimentos. Dentro das galhas ocorre um acúmulo crescente de compostos nutricionais da planta dos quais a larva se alimenta.
Para facilitar a obtenção dessas reservas as larvas aparentam ter predileção em se estabelecer próximo a estruturas onde exista maior concentração ou fluxo de nutrientes, como o pedúnculo, nervuras primárias ou no próprio caule.
Mas a proteção não é total para as larvas, elas também podem ser predadas por outros seres vivos, como vespas parasitoides que depositam seus ovos nas cecídias – as suas larvas, ao eclodirem, passam a se alimentar daquelas preestabelecidas. Esse é um importante controle biológico natural, que evita uma possível explosão populacional da espécie galhadora e um consequente distúrbio no ecossistema.
Uma grande variedade de insetos de diversas ordens provocam as galhas nos vegetais, destacando-se no domínio cerrado as ordens Himenóptera e Díptera. Os insetos galhadores apresentam profunda especificação quanto à espécie vegetal que irão predar, atacando geralmente uma mesma espécie ou família botânica. Um inseto galhador de murici (Byrsonima verbascifolia) sempre irá colocar os seus ovos nessa espécie, no máximo poderá variar para um espécie bem próxima, dentro do gênero Byrsonima. Outros invertebrados como nematoides e ácaros também podem provocar essas anomalias nas plantas. Os nematoides são os principais responsáveis por problemas do sistema radicular.
As galhas causadas por micro organismos ocorrem quando a planta se encontra com alguma vulnerabilidade, como ferimentos em suas estruturas, ataque por herbivoria ou períodos em que ocorrem drásticas mudanças ambientais, como excesso ou falta de chuva. Os agentes propagadores se aproveitam dessas instabilidades do organismo vegetal e se estabelecem, alterando-lhe o comportamento celular, fazendo com que as células se multipliquem descontroladamente provocando a hipertrofia do tecido afetado. Enxertia feita com material infectado e o uso de instrumentos contaminados são importantes disseminadores de micro organismos infectantes.
A bactéria Agrobacterium tumefaciens é o maior e mais conhecido agente propagador de cecídias desse tipo, sendo uma das causadoras de grande perdas em vinhedos. O mecanismo de ataque utilizado consiste em inserir o seu código genético nas células da planta, provocando a produção de substâncias especificas da bactéria e que a beneficiam no seu desenvolvimento.
Galho de mama-cadela (Brosimum gaudichaudii Tréc.)
com os frutos imaturos.
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Mesmo que a área afetada seja extirpada do vegetal ou a bactéria eliminada ele continuará produzindo as substâncias comuns ao micro organismo, pois o código genético se estabelece de tal forma a se incorporar ao genoma da planta. Pode-se definir então que a planta se transformou em um ser naturalmente transgênico e que Agrobacterium tumefaciens utiliza de mecanismos naturais de engenharia genética para se perpetuar.
O entendimento da complexidade de ação dessa bactéria, um ser procariota – que não possui uma membrana em sua organização celular e é impossível de formar tecidos – frente ao vegetal, um ser eucariota – que apresenta estrutura celular organizada e é capaz de formar tecidos – foi o passo fundamental para o domínio das técnicas de melhoramento genético empregadas em larga escala na produção agrícola.
Mas, e o galho? Esse é uma estrutura própria do vegetal, uma divisão ou subdivisão do caule compreendendo todas as ramificações derivadas. Então não saia dizendo por aí que vai “subir na galha da árvore para pegar um fruto delicioso”.
Galhas em Curvelo
A maior concentração de cecídias estava em ambientes anteriormente alterados e que foram recobertos pela vegetação, encontrando os mesmos em alguns casos ainda em processo de recuperação de eventos como queimadas e desmatamento, muito embora não tenha perdido toda a cobertura vegetal original. Ambientes com cobertura preservada mostraram pouca ocorrência, sendo que em sua maioria as galhas estavam em plantas a beira da estrada ou às margens dos grotões e matas de galeria.
Foi verificado, através de pesquisa de campo, que espécies das famílias Malpighiaceae (Banisteriopsis gardneriana, Banisteriopsis anisandra, Byrsonima basiloba, Byrsonima intermedia, Byrsonima verbascifolia, Banisteriopsis campestris dentre outros), Melastomataceae (Cambessedesia salviifolia,
Macairea radula, Pterolepis repanda, Leandra sp., Miconia elegans, Miconia rubiginosa dentre outros ), Annonaceae (Duguetia furfuracea), no pequizeiro (Caryocar brasiliense – Caryocaraceae), Vochysiaceae (Qualea grandiflora, Qualea parviflora, Qualea multiflora), e Fabaceae (Bauhinia unguiculata) apresentaram maior quantidade de cecídias por planta observada. As plantas dessas famílias que estavam mais afastadas (como aquelas encontradas em cerrado campo sujo, por exemplo) aparentavam ser mais propícias ao ataque de agentes galhadores. Nas Melastomataceaes foi observado que quanto maior o numero de indivíduos de uma mesma espécie em uma mesma área maior era a quantidade de galhas. Em espécies abundantes como Andira humilis, Stryphnodendron adstringens, Peltophorum dubium (Fabaceae ), Annona cornifolia e Xylopia aromática (Annonaceae) não foram encontradas cecídias ou indícios de galhamento.
Outro fator observado foi que, embora abundantes, espécies das famílias Bromeliaceae (Aechmea bromeliifolia, Ananas ananassoides, Billbergia porteana, Dyckia trichostachya), Poaceae (Paspalum stellatum, Trachyppogon spicatus, Ctenium cirrhosum, Echinolaena inflexa, Aristida sp. dentre outros), Dilleniaceae (Doliocarpus dentatus, Davilla elliptica, Davilla rugosa, Curatella americana) Convolvulaceae (Merremia tomentosa, Ipomoea procumbens, Ipomoea hederifolia, Ipomoea nil, Ipomea Triloba dentre outras) Asteraceae (Lepidaploa cotoneaster, Piptocarpha rotundifolia, Aspilia foliacea, Emilia fosbergii, dentre outras ) não apresentaram galhas ou indícios de galhamento.
Chama a atenção que nas espécies vegetais de uma mesma família foram encontradas galhas que, se não iguais, mantinham características quanto ao formato, tamanho e coloração próximas entre si, o que corrobora o fato de que as espécies galhadoras demonstram profunda especialização em relação ao vegetal que será por elas parasitado (esses dados, porém, não devem de forma alguma ser interpretados como absolutos, já que se referem a análise visual e empírica sem contar com a robustez científica e de autoridade especializada. Salienta-se a vasta literatura sobre o assunto da qual uma pequena parte se encontra logo abaixo no tópico “Saiba mais”).
Veja também: Botânica
Saiba mais: O etnobotânico, Padrões de diversidade de insetos galalhadores no cerrado: a importância da comunidade de plantas, Insetos indutores de galhas da porção sul da Cadeia do Espinhaço, Minas Gerais, Brasil, Abundância de galhas entomógenas em folhas de Varronia verbenacea (DC.) Borhidi ( Boraginaceae) da Restinga de Setibão, Guarapari, ES3, Comunidades de insetos galhadores (Insecta) em diferentes fisionomias do cerrado em Minas Gerais, Brasil, Influência da estrutura vegetal na riqueza e abundância de insetos galhadores em duas fitofisionomias: Cerrado Sensu Stricto e Campo Rupestre, em Grão Mogol, Norte de Minas Gerais, Wikipedia, Variações Ambientais Afetam a Distribuição e Abundância de Insetos Galhadores em Copaifera langsdorffii (Fabaceae), Galhas – Prática Pedagógica de Ecologia de Populações, Efeitos locais e sistêmicos de galhas sobre a herbivoria (Gustavo de Oliveira), Interações nutricionais em dois sistemas inseto galhador-planta hospedeira no Cerrado, Micro-himenópteros associados com galhas de Cecidomyiidae (Diptera) em Restingas do Estado do Rio de Janeiro (Brasil), Ecologia de Campo Volume 1 (2008), Galhas – Prática Pedagógica de Ecologia de Populações.
muito bom