Seriema: a seresteira do cerrado
“Com pouco, subia o caminho para a vista do tabuleiro abre-horizonte, onde corriam as seriemas, aos gritos e aos bandos de pernas compridas.” Guimarães Rosa – Sagarana (Duelo, pag. 110)
E quando neles se empoleira, enchendo a pleno os pulmões, envergando o pescoção e rasgando a siringe em altivos cantos, não raro inundando os rincões em coro estridulante! Muitos têm em sua ópera uma autoria da saudade, uma amolação de banzo. Não pode ser assim vindo de um ser que tanto se alvissareia, que de tamanho garbo se investe para demonstrar a sua presença. É, na verdade, um cancioneiro ao fausto, uma ode à alegria, o ápice de agradecimento ao dia que vem por entre o grande mar de montanhas das minas e dos gerais. O homem a tem na cota de bicho de importância maior: limpa o terreno de dano de cobra – mata e come, jararaca e cascavel. Come outras coisas tantas: insetos que danam quando em multidão, anuros de beira d’água, flores e frutos de tudo que brotar do chão. Trata-se de bicho doutorado em cerrado, na travessia de léguas primazia maior que a sua não há, tora chão em dia que muita gente não tora em vida!
No cenário das simbologias a nós mineiros representa – e até mesmo de nós tem um pouco: ressabiado, cauteloso. Matuteiro desconfiado.
Sariema, siriema, seriema não importa: Cariama cristata é bicho que o matuto sempre reminiscente cheio da mais alta candura.
E à tardinha, ela se despede do dia, com a voz trotante engasgada, agradecendo ao derradeiro raio solar mais um que encontra o seu fim, deitando sobre ele a noite, trazendo a escuridão e os poleiros em altas copas.
A seriema sabe que amanhã será outro sertão.
Conhecendo a seresteira
A seriema (Cariama cristata) é uma bela ave que tem como habitat comum as diversas fitofisionomias do cerrado brasileiro, embora possa ser encontrada em outros biomas. Chega a medir cerca de 90 centímetros e pesar até 1,8 quilo. O bico e as pernas são avermelhados, a plumagem cinza amarelada com finas e escuras riscas longitudinais. Possui uma bela crista e cílios (pestanas), sendo a única ave com essa característica. Pernalta, prefere correr a voar – recurso que utiliza em raras ocasiões, geralmente alçando voos curtos apenas em situação de extremo perigo ou quando desce de poleiros altos. Na corrida pode alcançar 50 KM por hora porém em curtas distâncias, sempre reduzindo o compasso e mesmo parando, geralmente analisando o ao redor se não existe nenhum perigo. Quanto à alimentação trata-se de uma ave generalista, alimentando-se desde ovos, pequenos insetos e frutos até cobras – das quais é uma importante predadora, ganhando mesmo a proteção das pessoas que vivem no meio rural. Ao encontrar uma presa em potencial ataca com fortes bicadas e pisoteios – artifício utilizado também para desmembrar caças maiores. O pisoteio ocorre devido ao fato de a espécie possuir dedos pequenos e desprovidos de garras.
O seu ninho é feito de galhos secos forrados de barro, folhas ou estrume. Geralmente coloca dois ovos de cor branca, levemente rosados e manchados de castanho. A manutenção do ninho e a choca dos ovos – que dura entre 24 e 30 dias – são feitos de modo alternado pelo casal.
Escolhe o topo das árvores para dormir ou descansar nos horários mais quentes do dia ou após o forrageio.
A sua habilidade mais marcante talvez seja o canto, audível a até 1 Km de distância. É, por si só, um símbolo do sertão. O cerrado não existe sem a sua cantoria matutina e verpertina, anunciando o nascer e o cair do dia. Utiliza também outras formas de vocalização, um chamado com o qual se comunica com o bando ou com o parceiro.
A seriema é uma ave pertencente a ordem Cariamiforme, família Cariamidae. A outra espécie da família é a Chunga burmeisteri pertencente ao gênero Chunga, encontrada apenas na Argentina, Bolívia e Paraguai.
O nome científico da seriema – Cariama cristata, em livre transliteração, quer dizer “Cariama com crista“, sendo Cariama derivado de Çairama, provavelmente o termo pelo qual a ave é conhecida pelos indígenas, e cristata uma referência a crista característica da ave. O seu nome comum – seriema – origina-se da junção dos termos tupis “çaria” – crista – e “am” – levantada.
A espécie foi descrita em 1766 e tem como autoridade descritiva Linnaeus. Dessa forma o nome da espécie é representado como Cariama cristata (Linnaeus,1766) ou abreviado C. cristata.
Parente das aves do terror?
Obs.: Saiba mais sobre as aves do terror e sobre a principal autoridade no assunto, Herculano Alvarenga.
Seriema em Curvelo
A seriema é uma ave bem comum de se encontrar em Curvelo e região. Praticamente em todos os locais onde foram feitas observações ela estava presente – e nunca está solitária, sempre em pares ou em bando. Não importa a conformidade do ambiente, seja uma área com alto nível de degradação ou em que a vegetação nativa foi totalmente substituída por plantações ou outras florestas (o plantio de eucalipto (gênero Eucalyptus) é a atividade mais comumente encontrada e profundamente disseminada não só em Curvelo mas em todo o estado de Minas Gerais); áreas preservadas e nas diversas conformidade do domínio cerrado a presença da espécie é comprovada. Cariama cristata aparenta não se familiarizar muito com ambientes paludícolas ou semipaludícolas, como as veredas, muito embora sejam também encontradas em seu entorno. Não raro se acostuma com a presença humana e pode tornar-se frequentadora dos quintais de sítios e fazendas, alimentando-se nesses locais de frutas dos pomares e ovos de galinhas – o que é visto com desconfiança pelos donos dos locais. Os benefícios que a sua presença traz vão muito além de qualquer problema que possa ser elencado.
Pelo seu hábito alimentar e a habilidade em caçar serpentes a frequencia de suas visitas deveria ser até estimulada – não fosse qualquer estímulo a animal selvagem problema para ele mesmo, posto que ao provê-lo de alimentação, por exemplo, se está interferindo em sua dinâmica natural trazendo dessa forma uma alteração que com o passar do tempo se mostra extremamente nociva nas relações interespecíficas.
Saiba mais: Wikiaves, Aves do terror, Wikipedia, Sagarana, Ciência hoje.