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De Curvelo a Botumirim – em busca da rolinha-do-planalto


By Geraldo M. Pereira | abril 14, 2018 | Category Aves, Expedição, Opinião

Especial

Rolinha-do-planalto – Columbina cyanopis (Pelzeln, 1870)

A rolinha-do-planalto – Columbina cyanopis (Pelzeln, 1870) por muito tempo povoou o imaginário daqueles que dela tinham notícias apenas em coleções de museus e representações figurativas. Coube ao ornitólogo Rafael Bessa trazer a luz sobre a espécie após 75 anos do último relato de avistamento na natureza, depois de um surpreendente e bem dado golpe do destino. Desde a redescoberta da espécie em 2015 duas incógnitas pululavam a cabeça de todo passarinheiro, principalmente aquele das Minas Gerais: onde a rolinha-do-planalto tinha sido encontrada e qual o ambiente para que pudéssemos nos colocar em efetivas buscas por uma nova população? Ao longo dos anos de 2016 e 2017 pistas foram dadas principalmente sobre as características fitogeográficas da área de ocorrência, o que nos levou a expedições por diversos locais onde afloram os campos rupestres no Complexo do Espinhaço, como as regiões de Gouveia, Diamantina e Serra do Cabral, todas as investidas até o momento sem lograr sucesso mas envoltas em esperança, em fé de passarinheiro – como aprendi com os amigos de Piranga quando da passarinhada que fizeram em Curvelo. Em fevereiro de 2018 enfim o local da descoberta foi revelado. A pequena e bela cidade de Botumirim orgulha-se de ser o lar dessa preciosidade que a tanto tempo certamente fazia parte dos objetivos de muitos especialistas e com certeza nem passava pela cabeça dos observadores em geral. Assim que soubemos do agendamento das visitas marcamos a nossa e nos colocamos em expectativa. A demanda é grande e a espécie frágil, o que nos alocou no mês de abril, depois que outras datas foram descartadas devido a motivos diversos, alguns alheios a nossa vontade e outros por zelo aplaudível por parte dos protetores da ave e de seu habitat.

Depois de tantas idas e vindas, uma espera de quase dois meses tinha chegado a nossa vez: dias sete e oito de abril de dois mil e dezoito, Augustinho Nery, Marcio Nery, Maurilio Neto, Geraldo A. (Tonhão) Costa e eu, Geraldo M. Pereira, observadores da capital roseana, teríamos a oportunidade de ver uma das mais raras espécies do mundo. Na noite anterior Marcio Nery já havia chegado de Belo Horizonte, onde reside, para compor a nossa empreitada.


Saímos de Curvelo às 04h00min impreterivelmente, como Augustinho priorizara. Conforme avançávamos percebíamos o quanto o eucalipto voluntariamente está assumindo as bucólicas paisagens mineiras. Aos poucos, como uma metástase silenciosa, abraça todo o Gerais e dele chupa os recursos sem uma sombra de pena ou mesura, deixando os afluentes de variada vazão a expor o seu leito enxuto em prol da voracidade vivaz de uns poucos organismos. Trechos uniformes desoladores de plantações desse deserto verde se contrapunham com áreas de cerrado, cerradão e entradas de fazendas, cidadezinhas conhecidas e outras das quais soubemos o nome ao passar por elas. Muito prazer, até logo. Já era dia quando afloramentos de campo rupestre começavam a despontar tímidos, coexistindo junto ao cerrado e suas variações. Estávamos perto.

A rolinha-do-planalto – Columbina cyanopis (Pelzeln, 1870)

Classificação Científica
Reino:
Animalia
Filo: 
Chordata
Classe:
Aves
Ordem:
Columbiformes
Família:
Columbidae
Espécie:
C.cyanopis
Nome Científico:
Columbina cyanopis 
(Pelzeln,1870)
Estado de Conservação:
Em Perigo Crítico 
(CR)
Nome em Inglês:
Blue eyed ground dove

Chegamos a acolhedora Botumirim, município do Alto Jequitinhonha, outrora Serrinha, às 09h45min de uma agradável manhã. Depois de um breve transladar pelas ruelas da cidade, perguntando a alguns munícipes sobre a Pousada do Vale onde ficaríamos hospedados, uma menina, vendo que aqueles mineiravam em demasia tomou para si a palavra, de sopapo: – É nessa rua ali ó, uma casa vermelha. Agradecemos e tocamos em frente, fazendo troça da aparente rispidez da mocinha. Aportamos em frente a pousada e, tão logo descíamos as trenheiras do carro Marcelo Lisita, ornitólogo responsável pelo monitoramento da rolinha-do-planalto encostou à nossa frente. Desceu do carro e, muito afável, nos cumprimentou. Após as cortesias deixamos as coisas na pousada e seguimos logo para a reserva.

Chegando à área onde a rolinha-do-planalto se abriga somos saudados pela placa da Save Brasil nos lembrando que, antes de tudo, estamos em um santuário da vida natural dedicado a salvar uma das mais raras aves do mundo.
O belo casal. Foto: Augustinho Nery

Augustinho estacionou o carro dentro de uma estrada na reserva, ao lado da placa. Olhei ao redor: que espetáculo é o campo rupestre! Andamos pela estrada que margeia a reserva sem adentrar os seus limites. Essa é uma das orientações que o Marcelo frisou conosco: nada de tocar a vocalização da rolinha – em hipótese alguma – e avançar pela área protegida apenas somente quando e onde ele determinasse. Embora já soubéssemos dessas orientações não sei como os companheiros curvelanos reagiram; eu, particularmente, em nenhum momento senti aquela ânsia quando estamos diante uma espécie que a muito desejamos avistar. Eu tinha comigo a certeza que, cedo ou tarde teríamos o espetáculo de olhos azuis se exibindo para nós.

O tempo ia passando e, como já tínhamos perdido as melhores horas da manhã havia sim a possibilidade real de não vermos naquele dia. Olhei para as montanhas ao redor, o chão forrado de alva areia e os campos de Lagenocarpus rigidus (Kunth.) Nees, Cyperaceae da qual a ave comumente se alimenta. Crescia vasta naquele trecho, sobre os lajedos, despontando da areia. Uma pequena Mandevilla tenuifolia (J.C.Mikan) Woodson. esbanjava o seu charme na beira da estrada. Melastomatáceas de vários tipos, como é de costume nesses ambientes, enchiam com suas cores aqui e ali. A Wunderlichia parecia sentir as intemperanças do tempo. Uma moitinha com os seus frutinhos graciosos me chamou a atenção. Sem titubear comi um, dois – percebi que muitos apresentavam feridinhas devido a bicada que as aves neles desferiam. A planta em questão era o muriri – Mouriri guianensis, Aublet., mais uma preciosidade das Melastomatácea.

Pavonia viscosa A. St.-Hil., Malvaceae
Mouriri guianensis Aublet, Melastomataceae
Periandra mediterranea. (Vell.) Taub., Fabaceae


De repente um alvoroço: – É ela, ela cantou aqui! – disse um dos companheiros. Marcelo colocou as mãos nos ouvidos no intuito de amplificar o seu campo de audição e, assim, auscultar melhor a voz da rolinha. Mais uma vez ela vocalizou, um chamado, dois, o casal ali pertinho, aproveitei para gravar um vídeo de alguns segundos para extrair depois a vocalização. Caminhamos lentamente e em silêncio até as imediações da cerca. Márcio gravava a vocalização. Augustinho e Tonhão esticavam o pescoço para ver além, Maurílio e eu vasculhávamos na brenha próxima. Ora, outro alvoroço: o casal voou! Deu para ver de relance a alvura do crisso e das penas subcaudais.

Alguns minutos de absoluto soar do vento e manifestações esparsas de psitacídeos e Zonotrichia capensis. Uma fêmea de pia cobra – Geothlypis aequinoctialis (Gmelin, 1789) cantava diferente. Novamente o casal de pombinhas de olhos azuis se fez ouvir atrás de um emaranhado de galhos e Lagenocarpus rigidus.  

Nos colocamos atentos para esse local, mas nenhuma possibilidade de observa-las. Marcelo entrou na reserva em um ponto próximo de uma curva da estrada, onde um banco de areia é precedido por belos exemplares da Cactaceae Pilosocereus fulvilanatus (Buining & Brederoo) F.Ritter. Após um curto espaço de tempo ele retornou e nos fez sinal próximo a divisa. Nos orientou a acompanhá-lo em fila indiana, sem sair da pequena trilha. Em um determinado ponto ele parou e, apontando para uma enorme quantidade de galhos e matéria vegetal, a meia altura lá estava o casal.

Entre os arbustos, procurando uma fresta no emaranhado, tentando focar o “infocável”, nós assistimos ao momento do cortejo. O macho acariciava a fêmea dando bicadinhas de leve em sua cabeça e região dorsal, vez por outra gorjeava abaixando a cabeça e meneando de alto a baixo a bela cauda – no que ela respondia ofertando-se a ele tocando bico com bico. Assim por alguns minutos sucedeu, o tempo eterno de uma raridade se apresentando aos nossos olhos.

Enquanto a cena acontecia na nossa frente eu dizia ao Marcelo que já tinha visto aquele ato em outros Columbiformes – todos os momentos, ao meu ver, em situação em que os indivíduos se viam em evidente ou possível situação de estresse. A primeira vez foi com a rolinha vaqueira – Uropelia campestris (Spix, 1825), quando o casal  foi exposto ao play back em uma área onde mais tarde percebemos haver um ninho. A segunda vez com rolinha-caldo-de-feijão ou rolinha roxa – Columbina talpacoti (Temminck, 1810), sem exposição ao play back mas também nas proximidades de um ninho. A terceira vez em área urbana com avoante ou pomba-de-bando – Zenaida auriculata (Des Murs, 1847), também  após exposição ao play back sem contudo observância de ninho. Nos três casos não foram notados indícios de cortejo anterior ou posterior ao play back. Sugeri a ele que tal comportamento possa estar vinculado ao fato de termos possivelmente avançado o espaço territorial do macho (embora nos mantivemos o tempo todo nas áreas determinadas de segurança para a espécie) e o ato de cortejo e cópula seria uma demonstração de dominância por parte dele, havendo a possibilidade de naquele local ter mesmo um ninho. Ponderei ao Marcelo que esta era a opinião de um leigo e os fatos narrados baseiam-se em pura análise empírica.

Abaixo a vocalização da rolinha-do-planalto gravada por Marcio Nery:

Nesse ínterim o macho se preparou para montar a fêmea, no que o Maurilio fez um movimento um tanto brusco – em se tratando de rolinha-do-planalto cortejando um farfalhar é um esganiço. O macho então, como alguém pego em flagrante, recolheu o seu galanteio e recuou. Não nego uma ponta de frustração – que passou logo, já que tudo devia ser imediato, o tempo aproveitado em cada um dos seus segundos e não havia espaço para elucubrações de desencantamento. Havia sim, tão e somente, o encanto de estar ali.

Lagenocarpus rigidus (Kunth.) Nees, Cyperaceae

Depois desse belo momento uma das aves se empoleirou em uma pequena árvore bem a nossa frente. Fiz um registro ruim, procurando espaço entre a galhada. As máquinas incessantes disparavam cliques intermináveis. Percebi um espaço onde uma fresta maior me daria chances de observar sem muita interferência da ramada seca. Avancei lentamente para esse ponto, tirei com cuidado algumas folhas que poluíam o foco e tive assim, a minha frente, com toda nitidez, raridade e beleza a rolinha-do-planalto. Nada ali destoa em beleza, a miscelânea entre o castanho e o marrom, o azul cobalto das marcações nas asas e aqueles olhos – como pode um azul tão surpreendente como aquele! A natureza, tanto na singeleza quanto nas maiores extravagâncias merece os nossos aplausos. Deixei aquele ponto lentamente para não atrapalhar os companheiros e, sorrindo, cumprimentei o Marcelo, um longo aperto de mãos de agradecimento.
Voltamos pela mesma trilha enquanto a ave se manteve empoleirada. Retomei com Marcelo a minha opinião sobre a disposição do macho quando, ao meu ver, percebe a sua condição de dominância prejudicada pela possível invasão de seu território ou pelo play back. Ele inteirou fazer sentido e que iria avaliar esta possibilidade. Conforme dirigíamos a outro ponto conversamos fartamente sobre o papel do passarinheiro, do cidadão cientista e a contribuição que ele traz para o conhecimento de espécies e seus hábitos. Sobre o bem estar que a observação de aves traz para quem decide por essa atividade de lazer, ciência comprovada. E sobre play back. Saliento que em nenhum momento foi tocada a vocalização de C. cyanopis, Marcelo demonstrou extrema sensibilidade quanto ao tema, reforçando que a moderação no uso desse recurso deve ser a premissa de todo observador e com qualquer espécie, identificou da minha postura de acordo com os relatos que fiz que, principalmente nos casos da Z. auriculata e U. campestris agi com temeridade, afoito talvez pela inexperiência e necessidade de registrar algo novo – o famoso lifer. Não foi um puxão de orelha, longe disse: com candura e sabedoria reforçou que o que mais vale é a espécie, o avistamento em si e não a necessidade que percebe em muitos da foto perfeita. Considerou que a popularização da atividade de observação de aves é válida e necessária e que os passarinheiros estão entendendo a diferença entre registro e foto e que o primeiro é infinitamente mais importante que o segundo.

Foto: Augustinho Nery
Foto: Márcio Nery
Foto: Maurílio Neto

Por fim, aproveitando que a avezinha decidiu voltar à sua habitual reclusão, passei a registrar a flora e os aspectos da região. A área onde a Columbina cyanopis escolheu como lar é uma região plana cercada por paredões de um lado e cerrado tipico de outro onde rebrota por toda parte a Cyperaceae Lagenocarpus rigidus e a Poaceae Panicum cf poliophyllum das quais as sementes lhes servem comumente de alimento. Surpreendem as torres verde azuladas de todo tamanho formadas pela Pilosocereus fulvilanatus. Infelizmente não haviam flores, mas a imponência de cada espécime já enchia os olhos pelo espetáculo. Nas matas o tem-farinha-aí – Myrmorchilus strigilatus (Wied, 1831) vez por outra entoa um chamado, o balança-rabo-de-chapéu-preto – Polioptila plumbea (Gmelin, 1788) forrageia ligeiro pelas copas tortuosas seguido de perto pelo chorozinho-da-caatinga – Herpsilochmus sellowi Whitney & Pacheco, 2000. A choca-do-nordeste – Sakesphorus cristatus (Wied, 1831), sempre curiosa, ecoa os seus dizeres sempre espreitando os movimentos alheios. O sebinho-de-olho-de-ouro – Hemitriccus margaritaceiventer (d’Orbigny & Lafresnaye, 1837) sempre por ali, por toda parte. É o olho-de-ouro o mais simpático habitante de penas do cerrado. Na área da planície com menos esforço vemos o tico tico Z. capensis e o rabo-mole-da-serra – Embernagra longicauda Strickland, 1844.

Paliavana werdermannii Mansf., Gesneriaceae

O capacetinho-do-oco-do-pau – Microspingus cinereus Bonaparte, 1850 apreciou um pouquinho apenas e depois não deu mais as caras. Por todo lado as Melastomatáceas exibindo o habitual espetáculo de cores. Marcelo se aproximou de mim dizendo que ninguém tinha demostrado tanto interesse pela flora e que uma pessoa especialista em botânica faria em breve um levantamento na área.

Confessei a ele que um dos meus objetivos era encontrar a Philcoxia minensis, embora tivesse real compreensão que seria praticamente impossível. Em um dado momento até que a esperança me veio a cabo, mas logo se desfez ao descobrir que o que eu via na verdade era Utricularia amethystina Salzm. ex St.Hil. & Girard, 1838, outra pequena carnívora comum nos campos rupestres. P. minensis apenas na Serra do Cabral. Que mosaico de vida magnífico! Eu caminhava mais a frente do grupo beirando o cerca melindrosamente disponibilizada com arame liso, de forma a não interferir nos desatinos da vida que ali insistia quando de repente, por entre as frestas quase no solo de um aglomerado rochoso uma pequenina de olhos azuis surgiu e caminhou tranquilamente. Acenei para os companheiros e fizemos bons registros – mais que isso, fomos sorteados para acompanhar alguns minutos de forrageio da espécie e como ela avança pelas pedras com desenvoltura. Assim como surgiu – sumiu! Dessa forma terminamos o sábado sete de abril de dois mil e dezoito brindados com momentos de uma passarinhada singular. Mas ainda restava o domingo.

Mandevilla pycnantha (Steud.) Woodson, Apocynaceae
Kielmeyera rubriflora Cambess., Calophyllaceae
Mandevilla tenuifolia (Mikan) Wood., Apocynaceae
Xyris trachyphylla Mart., Xyridaceae
Cambessedessia hilariana (Kunth) DC., Melastomataceae
Wunderlichia sp.


O exemplo da Save Brasil

Placa indicando a presença da Save Brasil em Botumirim

No domingo saímos antes das 06h:30min após um farto e apreciável café da manhã. O dia estava nublado, o sol buscava brechas entre a densidade das nuvens que insistiam em cobrir as montanhas. No curto caminho para a reserva uma leve garoa embaçou os vidros do carro. Ao chegarmos, contudo, irrompendo a barreira como um prenuncio raios solares osculavam as rochas duras, cintilavam nas paredes onde o casal de papagaio verdadeiro – Amazona aestiva (Linnaeus, 1758) buscava abrigo e um bando de periquito-de-encontro-amarelo – Brotogeris chiriri (Vieillot, 1818) manifestava uma algazarra. Ao longe cruzava o céu o periquito-da-caatinga –  Eupsittula cactorum (Kuhl, 1820), enquanto os tico-ticos preenchiam todos os lugares. Augustinho lamentava estarem os periquitos tão longe enquanto Tonhão vasculhava com a lente o cume dos morros. Márcio pelejava pelo garrinchão-de-bico-grande – Cantorchilus longirostris (Vieillot, 1819) e vez por outra registrava o ambiente. Maurílio andava pela estrada, lentamente, sabe-se lá os seus intentos. Eu me detive lendo os dizeres da placa da Save Brasil que reforça ser aquele um santuário da vida. O trabalho dessa organização é de fato digno dos mais sinceros aplausos. Em um país como o Brasil, onde todos os esforços de conservação parecem minguar ante interesses escusos a Save e seus parceiros demonstram com a proteção a esse símbolo da fragilidade natural que é a rolinha-do-planalto que sim, é possível acreditar no trabalho sério de instituições e pessoas realmente bem intencionadas com o propósito que abraçam. A ação conservacionista que está acontecendo em Botumirim deve servir de modelo para outros trabalhos com a mesma envergadura. Um casalzinho de balança-rabo-de-chapéu-preto passou ligeiro sobre a placa no mesmo instante em que um jovem de choca-do-nordeste se denunciou entre a brenha de gravetos do outro lado da estrada. Olhei para frente e percebi que os amigos se dirigiam para a área onde avistamos a ave no dia anterior. Caminhei na direção deles enquanto aparentemente pararam talvez esperando que eu os alcançasse.

Pilosocereus fulvilanatus (Buining & Brederoo) F.Ritter.

Tão logo empareei com Augustinho vi uma das rolinhas lindamente exposta sobre uma árvore. Logo todos miramos as câmeras e registramos com afinco. Essas não ficaram tão boas devido a luz, mas eu tinha certeza que outras oportunidades estavam por vir. Caminhei mais um pouco enquanto ouvia uma vocalização estranha. Chamei a atenção dos companheiros para aquele chamado que vinha de uma mata fora da área da reserva. Depois de um tempo Marcelo disse se tratar possivelmente de papa-lagarta-de-euler – Coccyzus euleri Cabanis, 1873 ou algum outro Coccyzus. Esse, contudo, não deu as caras – certamente Marcelo confirmará a sua existência em breve. Depois desse frisson com o Cuculiforme entramos na reserva mas sem nos distanciar da cerca. Maurílio viu um espécime voar para onde estávamos e, sorrateiro, voltou. Não logrou êxito – e talvez perdera a maior chance de todas em ver a ave nítida, exposta ao sol, fulgurando o azul das asas. Desse momento não fiz bons registros fotográficos, mas aqueles que ficaram na memória foto alguma teria a magia de expressar. Fiz mais alguns registros e me dirigi próximo a um pequeno arbusto, uma Mandevilla pycnantha (Steud.) Woodson, para mim a mais bonita Apocynaceae. Estava satisfeito, feliz. Pensei na alegria que o Rafael Bessa, redescobridor da espécie, deve ter sentido ao vislumbrar diante de seus olhos o símbolo mais raro de nossos cerrados. Marcelo Lisita, ali conosco – a pessoa a quem o destino incumbiu de cuidar e zelar pela misteriosa columbina dos campos rupestres.


Nos despedimos da Reserva Natural Rolinha do Planalto – meus companheiros não sei, mas a missão estava cumprida. De lá vieram comigo não somente as lembranças de uma passarinhada incrível mas também a certeza de ter presenciado os esforços de uma instituição, de pessoas de bem, de um Marcelo Lisita Junqueira, dedicado e sobretudo amante da missão para a qual a vida o incumbiu. Ainda passarinhamos numa matinha ali perto, mas para mim tudo o que eu esperava já havia se concretizado.
Saímos de Botumirim às 13:h00min com muito mais que quantidade de registros novos, muito mais que uma experiência de viagem. Voltamos com a certeza de que a natureza pulsa, reage e persiste, apesar de todo o maltrato que já causamos a ela. A rolinha-do-planalto é uma das grandes provas disso.

Em pé, da esquerda para direita: eu, Geraldo M. Pereira e Márcio Nery.
Abaixados, da esquerda para direita: Maurílio Neto, Marcelo Lisita Junqueira, Tonhão Costa (de boné para trás) e Augustinho Nery.


Agradecimentos:
 Augustinho Nery, Márcio Nery, Maurílio Neto e Tonhão Costa por essa inesquecível passarinhada.
Marcelo Lisita Junqueira – mais uma vez e sempre que eu me lembrar desses dias: obrigado!
Save Brasil e Albert Aguiar – pelo trabalho desenvolvido.
Aos amigos do Café Botânico e Identificação de Plantas – pelas identificações e confirmações dos nomes das espécies vegetais.  


Saiba mais: Wikiaves, Save Brasil, Clickideia – Planta brasileira apresenta folhas carnívoras subterrâneas, Aos meus amigos e curvelanos, peço um longo perdão. Livro: Joãozito Infância de João Guimarães Rosa. Autor: Vicente Guimarães, Orgulho de Hortolândia, Instituto Estadual de Florestas, Revista Galileu, Reflora,

GMJP

5 thoughts on “De Curvelo a Botumirim – em busca da rolinha-do-planalto”

  • Unknown disse:
    abril 14, 2018 às 1:50 pm

    Excelente narrativa, parabéns Geraldo, me emocionei!

    Responder
  • Fernanda Fernandex disse:
    abril 18, 2018 às 9:30 am

    Caramba, Geraldo, como você descreveu bem tudo !

    Responder
  • Geraldo M. Pereira disse:
    abril 18, 2018 às 12:46 pm

    Obrigado Fernanda.

    Responder
  • Geraldo M. Pereira disse:
    abril 18, 2018 às 12:47 pm

    Este comentário foi removido pelo autor.

    Responder
  • Geraldo M. Pereira disse:
    abril 18, 2018 às 12:47 pm

    Obrigado Marcio, foram dias emocionantes mesmo.

    Responder

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